NOITE SEM LUAR
César estava acompanhando de fora, como um espectador, ou melhor, uma testemunha ocular. É um conhecido de Larissa e Adriana, mora numa casa de frente para o Edifício Dom Bosco. Eles passavam um pelo outro e se cumprimentavam com, “bons dias”, “oi”, “tudo bom?” Ela nem sabia o nome dele!
Mas César tinha um segredo: uma paixão secreta por Larissa, eles conversavam pela internet e ela não sabia.
Naquela noite, ele resolveu contar à Larissa de sua paixão, quando fosse falar com ela pela internet. Seria difícil, pois ele nunca foi tão corajoso como agora. A noite estava devagar e pacata, o vento não balançava a copa das árvores, estava quente naquele dia de outono que mais parecia verão. A lua não apareceu, era lua nova. César começou a pensar no que diria a Larissa. O que ela iria pensar? Ele estava em seu quarto, deitado na cama, a janela aberta de frente para o apartamento de Larissa, havia uma câmera fotográfica na escrivaninha perto do computador, tocava um violão enquanto lembrava-se do dia que a conheceu.
Era uma tarde nublada Larissa tirava muitas malas de um carro com Adriana, eram pesadas, ele estava passando na calçada e ela pediu-lhe ajuda:
- Ei! Você pode nos ajudar com essas malas?
Ele não respondeu, mas ajudou. Levou as malas até a sala e acomodou-as no canto da porta.
- Obrigada. Você mora aqui perto?- e antes que ele pudesse responder Adriana o fez.
- Ele é nosso vizinho. Mora aí na casa da frente.
- Prazer. Larissa. E você?
-... César.
- Pois é. Eu sou a sua nova vizinha.
- Tchau.
Voltou de seus pensamentos rindo do que aconteceu naquela época. Recordou de outro acontecimento, quando voltando da faculdade com um monte de livros, ela mais uma vez pediu a sua ajuda.
- César! É o seu nome não é?
- Precisa de ajuda?
- Parece que eu só preciso de você quando estou com alguma coisa pesada. – ela passou alguns livros para ele.
- Eu não me importo.
- Você é um homem bom. Sabia?
Ele a acompanhou até a porta do apartamento e despediu-se.
Um dia, mexendo nas páginas de relacionamento da internet encontrou Larissa, teve a idéia de conversar com ela sem se identificar. E deu certo. Todas as noites, eles conversavam, um aconselhava o outro, foi o início de uma grande amizade.
No horário marcado, mandou uma mensagem para Larissa, ela respondeu:
- O q tá fazendo?
- Tocando 1 música p vc.
-Depois qro escutar...
- O q ñ faço por vc?... eu tenho algo a dizer...
- O q?
-Eu conheço vc.
-Eu sei.
-Eu moro perto da sua ksa.
- Pq vc nunk me disse?
- Eu tinha medo. Mas agora eu me encorajei a dizer qm eu sou.
- E qm é vc?1 tarado?Louco?
- Sempre fui apaixonado por vc. Meu nome é César o vizinho q mora na ksa da frente.
Mas Larissa não respondeu. Antes que ele pudesse terminar de escrever ouviu um barulho parecido com um tiro, e depois ouviu gritos, olhou pela janela e viu um homem descendo rapidamente o prédio em que as meninas moravam. Pegou a câmera fotográfica na escrivaninha perto da janela e conseguiu tirar fotos dos rapazes que estavam em baixo e do que acabava de descer. César era um ótimo fotógrafo, fazia por hobby, mas era editor numa revista.
Nos minutos seguintes, César viu Seu Nilo sair e pedir ajuda a uns policias em serviço. Um aglomerado de gente se fez na porta do Edifício Dom Bosco, ele preferiu ficar em casa vendo da janela e tirando fotos. A vítima saiu nos braços dos policiais, o sangue escorria dos dedos, o coração do rapaz saltou, era Larissa quase morta. As lágrimas vieram, ficou imóvel por alguns segundos, depois sentou-se numa poltrona verde, calado, mergulhado em seus pensamentos, sentindo que foi tarde demais a sua coragem para se declarar.
''Hoje a noite não tem luar
E eu estou sem ela...''
(Renato Russo)
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