sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O ÚLTIMO POEMA

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação
Manuel Bandeira

Larissa estava no auge dos seus vinte e cinco anos, morava em um apartamento pequeno de uma cidade grande, trabalhava numa livraria e estava terminando a faculdade de biblioteconomia. Dedicada aos amigos, era conhecida como a “alcoviteira” da turma. Amava juntar casais! E por esse motivo, não conseguia namorar por muito tempo, sempre acabava o namoro quando alguém dizia se interessar por seus parceiros com medo de ser traída. Larissa sempre juntava os casais mais estranhos da cidade. Quando falava da preocupação de não conseguir namorar à amiga, Adriana, ela responde: - Ele deve não ser seu. Vai encontrar alguém melhor! – Mas ela nunca se contentou com aquelas respostas. Ela queria um namorado!
- Por quê? Eu quero ter um namorado!
- Desencana. Um dia, o seu príncipe aparece...
- Quando? E eu também não quero um príncipe, porque príncipes são muito educados!
- Você escolhe demais!
- Eu espero um cara legal... Será que ele morreu num desses acidentes aéreos?
- Vira essa boca pra lá! Meu noivo está chegando hoje! – Adriana bateu numa mesinha cor de tabaco que fica no centro da sala, com um jarro de flores de plástico amarelas, um porta retrato com a foto de Larissa e Adriana e uma bola de vidro transparente.
Elas eram amigas desde a infância, moravam juntas dividindo o aluguel, mas fazia três anos que Adriana arranjou um namorado, estava noiva e o casamento marcado para daqui a duas semanas, Larissa iria ficar sozinha.
Vendo que aquela conversa deixou Adriana preocupada com o noivo, Larissa resolveu mudar o assunto:
- Como estão andando os preparativos do casamento?
- Nunca pensei que fosse tão fácil montar um casamento... O vestido, os convites, a festa, igreja...
- Você já fez tudo?
- Com muita antecedência... O seu irmão fez tudo muito organizado!
- Tá feliz?
- MUITO! Só fico preocupada com uma coisa... Você vai ficar sozinha neste lugar. Volta para a casa dos seus pais!
- Não! Pedro mora com a gente, não estarei tão só...
- Pedro vive de balada, nunca para em casa, vai ser a mesma coisa que viver sozinha, sem ninguém pra conversar, nem brigar, como fazemos sempre...
- Esqueceu que eu trabalho numa livraria? E eu posso procurar algo para fazer, posso ir à sua casa, vou estudar. Viu como tenho o que fazer?
- Desse jeito vai ficar pra titia!
- Você disse que um dia o cara certo aparece.
- É. Mas é sempre bom estar alerta, não?
- Adriana...
- Oi...
- Eu vou ficar bem, não se preocupe. Você vai casar, tá?
- Eu sei. É que você é muito especial. Eu amo você, sua louca!
- Eu também amo você.
Elas se abraçaram intensamente. Passaram a noite conversando, rindo das farras que faziam, foram momentos inesquecíveis.
 Larissa precisava acalmar-se, só de pensar em não ter Adriana ao seu lado, estar solteira aos vinte e cinco anos. Estava difícil estar com alguém! O número de homens ativos diminuiu nos últimos cinco anos, fazendo retiradas de homossexuais, padres, penitenciários e os que só querem curtir a vida, fica difícil encontrar alguém para namorar e se possível, casar. Pois Adriana conseguiu e vai casar-se em duas semanas. É que para Larissa, tudo era impossível, ela escolhia demais, sonhava demais e ninguém era compatível com ela. Já a pediram em casamento quatro vezes e ela nunca aceitou, dizia sempre que não dava certo, muito nova, tinha medo. Mas não suportava a idéia de morrer titia, a velha solteirona!
- O que está acontecendo comigo? – Larissa estava em seu quarto, deitada na cama, com as mãos embaixo da cabeça, pensando sobre tudo isso. – Sempre que alguém casa, pareço estar com inveja... Ai que coisa feia, dona Larissa!... Vou acessar a internet pra falar com meu amigo especial!... Larissa nunca soube quem era esse amigo ‘’especial’’, mas não se importava com o mistério.
O quarto era uma bagunça, desajeitado, nunca conseguiu mantê-lo arrumado por muito tempo. Ela deixava tudo no chão, dizendo que ficava mais fácil encontrar. O amigo especial mandou uma mensagem avisando estar entrando na página, ela foi logo respondendo:
- O q tá fazendo?
- Tocando 1 música p vc.
- Depois qro escutar...
- O q ñ faço por vc?... Eu tenho algo a dizer...
- O q?
- Eu conheço vc.
- Eu sei.
- Eu moro perto da sua ksa.
- Pq vc nunk me disse?
- Eu tinha medo. Mas agora eu me encorajei a dizer qm eu sou.
- E qm é vc?1 tarado?Louco?

No meio da madrugada, um homem alto e forte, com passos esquivos, conseguiu entrar no apartamento das meninas pela janela, bagunçou tudo na sala sem fazer barulho. Com um descuido momentâneo, ele bateu o joelho na mesinha que ficava no centro da sala entre os sofás, derrubando uma bola de vidro transparente. Larissa ainda estava acordada e percebeu o barulho, saiu para ver o que havia quebrado. O homem ouviu os passos de Larissa, sacou uma arma calibre trinta e oito, nem deu tempo de acender as luzes, o homem atirou no peito dela e correu para a janela sem roubar nada, Ela permaneceu em pé segurando o peito ensangüentado por alguns segundos, Adriana acendeu a luz e a amparou por trás chorando e gritando por socorro.
- Adriana... – Larissa agonizava.
- Não fala Larissa... RESPIRA...
- Eu não agüento...
- Olha pra mim, olha Larissa! Socorro! Socorro!
Adriana já estava lavada de sangue, o porteiro bateu à porta com a polícia ao lado, Adriana pedia socorro sem parar, um dos policiais arrombou a porta, Seu Nilo teve um susto com aquela cena.
- Meu Deus!
- Ajuda!- Adriana gritou.
- Eu vou chamar a ambulância. – Seu Nilo saiu para pegar um telefone. Mas os policiais pegaram Larissa nos braços e resolveram levá-la ao hospital. A palidez já havia tomado conta de seu corpo e a respiração profunda, puseram-na no camburão e partiram para o hospital. Adriana apoiou a cabeça da amiga nas pernas e não parou de soluçar pedindo para Larissa não fechar os olhos. Os vizinhos estavam acordados, fora de suas casas, observando assustados aquela violência toda.
- Quem fez isso amiga?
- Eu não reagi...
- Eu sei, eu sei...
- Roubaram alguma coisa? Ela é sua irmã? – O policial continuou o interrogatório ali mesmo.
- Moramos juntas, somos amigas...
- Ela tem algum parente?
- Sim, mas...
- Quando chegarmos ao hospital ligamos para eles.
Dez minutos depois, chegaram à emergência, Adriana tentou entrar na sala de cirurgia, mas não pôde e ficou no corredor com os policiais. Em seguida chegou Pedro,o irmão de Larissa.
- Como você soube? – Adriana levantou para abraçá-lo.
- Seu Nilo me ligou. Meus pais já estão vindo. Como ela está?
- Ainda não sabemos, ela está na sala de cirurgia. Desculpe não ter ligado, eu saí tão desesperada que não lembrei. – Adriana não chorava mais.
Os médicos agiram com rapidez, tentaram transfusão de sangue, fizeram tudo,mas os batimentos cardíacos de Larissa começaram a cair e foram caindo, usaram o desfribilador para reanimá-la, mas não teve jeito, ela morreu...
- Hora da morte: cinco e meia da manhã do dia cinco de abril de dois mil e oito. - disse o médico olhando para o relógio. Ele foi pessoalmente falar sobre o falecimento de Larissa. Chegou ao corredor, Adriana levantou apreensiva acompanhada de Pedro que segurava a sua mão. O médico respirou fundo e segurando as mãos trêmulas deles disse apenas: - Acabou...
Pedro abraçou a amiga,o médico saiu, chegaram os pais de Larissa e Pedro, percebendo a tristeza acolheram-se junto ao abraço dos outros, ninguém disse mais nada.


Não percam os próximos capítulos...

Nenhum comentário:

Postar um comentário