quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O ÚLTIMO POEMA

O QUE RESTA DE MIM

Larissa morreu. Ainda estava deitada na cama da sala de cirurgia. As marcas da morte já eram aparentes: a palidez e a rigidez dos músculos, os dedos e os olhos arroxeados, nada se movia. A porta estava trancada, alguns minutos após a sua morte veio uma mulher da limpeza, olhou para Larissa e exclamou: - Tão nova... – e continuou o seu serviço, era comum ver óbitos como esse.
Depois a mulher da limpeza saiu do quarto com um saco de lixo.
Um homem alto e forte entrou em seguida, ele estava vestido de branco, como um médico. O homem pegou uma cadeira de plástico que estava no canto da sala atrás da porta, pôs ao lado da cama e sentou. E em seguida, pegou a mão gelada de Larissa e chamou-a: - Larissa... – e repetiu mais uma vez.
E como por um milagre, Larissa abriu os olhos, uma forte luz invadiu sua retina deixando-a zonza e continuou deitada olhando a luz forte que vinha do teto.
- Onde estou? Quem é você?
- Pergunta freqüente. A maioria das pessoas diz isso depois que acorda, a pergunta mais inusitada que escutei foi um rapaz que perguntou se eu era chefe de cozinha!
Larissa riu, mas sentiu uma dor no peito e viu um curativo encharcado de sangue.
- O que aconteceu comigo?
- Você não lembra?
E tudo o que aconteceu apareceu como um flash back rápido, ela lembrou. Larissa pôs a mão no peito, lembrando de Adriana, do notbook, do tiro... A vinda para o hospital, o coração parando... A morte...
- Mas eu nem casei, nem tive filhos, eu sou tão jovem para morrer!
- Larissa. Você está morta!
- E o que eu estou fazendo aqui? Acordada, conversando... É um sonho?
- Não. Não é sonho. Eu fui enviado para decidir o seu futuro e você vai me ajudar.
- Que futuro?Eu estou morta!
- Vamos fazer uma viagem no tempo. – o homem pegou em sua mão e levou-a em direção a porta pela qual ele havia entrado. Foram parar numa sala minúscula, e tinha lugar para apenas três pessoas, as paredes azuis e os móveis brancos.
- Onde estamos?
- Você pergunta demais. Quando eu abrir aquela porta, você verá toda sua vida...
              - Eu estou com medo!
- Todos têm medo de lembrar o passado.
Larissa respirou forte e seguiu em direção à segunda porta, segurou a maçaneta e entrou num corredor escuro, o homem entrou atrás dela. A única luz que iluminava eram telões pendurados nas paredes.
O primeiro telão ligou sozinho e Larissa pôde ver o seu nascimento. Ela chegou mais perto e tocou-o, a boca aberta e lágrimas nos olhos.
- Eu nascendo... Porque você ta mostrando o meu nascimento? – ela não parava de olhar aquela cena.
- Quando você nasceu sua estória começou a ser escrita. Esse é o momento mais importante da sua vida. Veja como a sua mãe está feliz!
- Eu sou muito feliz por ter uma mãe como ela. Eu lembro do meu pai brigando com a mamãe porque eu e Pedro sempre aprontávamos. Mas eles sempre se respeitaram!
Eles seguiram o caminho e mais uma tela ligou, mostrou o primeiro dia de aula, Larissa tinha cinco anos, segurava as mãos dos pais, era pequena e indefesa.
- Eu tava tão nervosa nesse dia...
- Seus pais também estavam. – Ele riu e bateu no ombro dela.
Eles pularam vários telões e pararam em um que mostrava os dez anos de Larissa, quando ela conheceu Adriana, elas eram vizinhas e tornaram-se grandes amigas.
- Você está bem?- o homem perguntou.
- São momentos como esses que eu percebo o quanto precisamos das pessoas, somos todos importantes...
- Se você quiser, podemos parar.
- Não. Vamos continuar.
Aos doze anos, Larissa menstruou e deu o primeiro beijo, aos treze se maquiou e foi à primeira festa sozinha, aos quinze, debutante e teve seu primeiro namorado. Larissa viu quando ajudou no namoro de Adriana e João Antônio. Essas cenas todas foram mostradas, algumas ela nem lembrava mais, ela ria com lágrimas nos olhos ou chorava com um sorriso nos lábios.
Aos dezoito, prestou vestibular e mudou-se para o apartamento de Adriana, a imagem da mudança congelou.
- Porque parou? – Larissa perguntou.
- Você sabe quem é esse rapaz?
- O vizinho que mora em frente. Não me diga que ele me matou?
-Você nem desconfia o que ele representa na sua vida?
A imagem descongelou e ela viu o dia o dia em que os dois começaram a conversar pela internet e ficou surpresa com a descoberta.
- Ele estava o tempo todo ao meu lado e eu não o vi. – Larissa levou a mão à boca.
E após aquela cena, Larissa viu o resto de sua vida até o dia de sua morte.
- Eu não acredito que o rapaz que me matou é um burguês safado! Como podem roubar por diversão? Eles merecem umas boas palmadas para aprender o que é dignidade! Só por ter dinheiro acham que podem fazer e desfazer?
- O que você quer fazer agora?
- Como assim? Eu estou morta, esqueceu?
- Em algum momento de sua vida, você nunca pensou em voltar no tempo e mudar o que disse, fez ou deixou de fazer?
 - Sim...
- Lembrando que você só poderá fazer três pedidos.
- Na verdade, eu gostaria de voltar no tempo agora e não deixar aquele rapaz ter tratado Seu Nilo daquela maneira. Eu quero que ele nunca tenha conhecido meu irmão, que seja um homem bom!
- Não quer mudar mais?
- Eu já pedi as três mudanças...
- Larissa, você pediu todas as mudanças para o homem que te matou e essa é atitude de poucos. Você poderá voltar!
Larissa vibrou de alegria e abraçou o homem.
- E quanto a César?
- Pode deixar como estávamos, acredito que aconteceria algo inacreditável quando fomos interrompidos... Pensei em mudar o mundo, mas eu não posso com tanto. As pessoas precisam se conscientizar e tentar mudar também. Mudar o mundo não cabe só a mim, cabe a todos nós. Eu agradeço, mas não posso mudar mais nada.
- Então o sonho acabou?
- Não. O sonho só está começando!
- O seu pedido é uma ordem!

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